Autores: Bruno Braga, Bruno Perdigão, Epifanio Almeida, Igor Ribeiro, Marcelo Bacelar
Colaboração: Taís Costa
Local: Fortaleza - CE
Ano: 2009
1º Lugar - Prêmio Caixa/IAB 2008-2009 - Categoria Profissional - Modalidade 2 - Habitação Sustentável Multifamiliar em Áreas de Favelas
REFAZENDO A PERGUNTA
No
processo de elaboração deste projeto, ficou claro que antes de tentar
propor uma nova solução, era preciso entender melhor o problema. Quanto
mais se buscava respostas, mais se percebia que se estava fazendo a
pergunta errada. Parecia mais correto tratar a habitação social como um
investimento futuro na população, que fosse adquirindo valor com o
tempo, funcionando como instrumento para promoção social dos
beneficiados, em contrapartida ao modo como o fazem as políticas
habitacionais atuais, que encaram a questão como gasto social,
priorizando índices quantitativos aos qualitativos.
O
erro, portanto, estava no início do processo, pois se tentava resolver o
problema errado. Não se resolve o problema da habitação social apenas
diminuindo o déficit habitacional. Muito menos negando os fatos que o
problema apresenta, como as características da população e as restrições
orçamentárias e legais. Mais do que quantas casas propor, pareceu mais adequado pensar em onde e como propô-las.
Surgem
então duas questões primordiais a serem resolvidas: o lugar de
implantação das habitações e como trabalhar com as limitações e
restrições impostas pelo problema mantendo a qualidade do projeto.
O LUGAR
Embora
a cidade seja uma construção social coletiva, a distribuição de seu
espaço não se dá de forma igualitária, o que gera graves distorções no
cenário urbano. No caso de Fortaleza, dos seus mais de 2,5 milhões de
habitantes, 30% moram em assentamentos precários e informais, o que se
explica pela alta concentração de renda presente na cidade.
A
área de intervenção escolhida foi a comunidade Verdes Mares, localizada
no bairro do Papicu, possui uma infra-estrutura excelente e grande rede
de oportunidades. A comunidade é composta, em sua maioria, por
ocupações irregulares, presentes na região há mais de vinte anos. Há uma
forte especulação imobiliária, sendo comum a existência de terrenos
vazios que não cumprem sua função social. Ambas as áreas (tanto as
ocupadas como as ociosas) são classificadas como Zona Especial de
Interesse Social, tornando possível pensar em redistribuir toda a
população, pois a área x antes ocupada, passou a ser x+y com a
incorporação dos terrenos vazios.
Mantém-se,
portanto, os moradores no seu local de residência atual, onde estão
cercados de oportunidades e vínculos profissionais e pessoais, podendo
transformar suas novas residências em um investimento que se valoriza
com o tempo. A proximidade a um terminal rodoviário permite, ainda,
pensar em uma rede de intervenções interligadas, o que teria um alcance
maior na cidade.
IMPLANTAÇÃO E UNIDADE RESIDENCIAL
A
implantação buscou, ao invés de criar um núcleo fechado e voltado para
si mesmo, trazer a cidade para dentro do conjunto e vice-versa. Isso foi
feito com a criação de ruas internas estreitas de seis metros, que
possuem ilhas de estacionamento e arborização para proteger as casas dos
raios solares, uma vez que o clima de Fortaleza é marcado por altas
temperaturas durante todo ano. Além disso, as ruas permitem maior
circulação de vento, possibilitando um maior aproveitamento de
ventilação natural nas casas.
Para
pensar na unidade residencial desse conjunto, era preciso trabalhar com
as restrições impostas, o que significava encarar a escassez de
recursos como um incentivo à criatividade e um filtro do supérfluo,
aproximando ao máximo a proposta do problema real. A escolha de um
terreno com boa infra-estrutura e o orçamento restrito para a construção
das casas foram os limites que nortearam a proposta. Assim, era preciso
saber exatamente como e onde aplicar os recursos.
A
forte presença de atividade comercial na área também foi um fato a ser
trabalhado, evitando-se ter famílias diferentes em pavimentos
diferentes, o que privilegiaria os que ficassem no térreo. Como fazer
unidades de dois pavimentos sem que isso acarretasse aumento
significativo de suas áreas? Buscou-se, então, a unidade mais estreita
possível, dando maior flexibilidade para as famílias, inclusive no que
se refere à ampliação posterior das casas. O crescimento econômico
muitas vezes está ligado ao crescimento espacial. As intervenções
posteriores dos moradores são uma realidade, não devendo, portanto, ser
negadas, mas trabalhadas. Ao invés de tentar evitar, a proposta tentou
dar condições para que isso ocorresse sem maiores prejuízos para o
coletivo. Ou seja, não controlando-as, mas prevendo-as de forma
ordenada.
A
demanda do projeto era que de habitação multifamiliar sustentável em
área de favela. No entanto, a sustentabilidade da proposta surge, nesse
caso, não como objetivo em si, mas como conseqüência da síntese dos
fatores encontrados e de um processo rigoroso e amplo. Na escolha do
local, considera-se sua viabilidade econômica e social. As técnicas e
materiais escolhidos foram os mais adequados a esse problema específico:
baixo custo e reprodução em série. Nesse caso, qualquer desperdício é
multiplicado várias vezes, devendo, portanto, ser reduzido ao máximo.
Isso foi resolvido através da modulação, estruturas pré-fabricadas,
soluções tradicionais em relação ao clima e adequadas à mão-obra
disponível. Utilizou-se o tijolo solo-cimento para a construção das
casas, uma vez que atendia a essas imposições.
PROJETO
Na
implantação do conjunto buscou não somente atender a área construída
das unidades, mas também pensar nos espaços vazios como partes do
projeto. Assim, a população tem um forte vínculo e grande necessidade de
áreas comuns de lazer. O projeto buscou intensificar essa realidade
encontrada, criando mini-praças, espaços livres verdes e mantendo um
campo esportivo bastante usado pelos moradores. Devido ás proporções da
área, foi proposto também um centro cívico para manter seu vínculo e
organização, e um equipamento de porte urbano, como meio de fomentar as
atividades culturais, educacionais e de integração da área com o resto
da cidade.
Há
dois modelos para as unidades: uma mais estreita, com área de 44,98m², e
outra maior (devido ao acréscimo de um quarto no pavimento térreo), com
área de 51,83m². Isso tendo em vista a própria dinâmica entre as
famílias da comunidade, tanto em número de pessoas por unidade quanto
pela renda, além de atender às normas de acessibilidade.
Em
Fortaleza, o melhor lugar para se estar é na sombra e onde o vento
circule. É possível perceber esses aspectos tanto nos recuos nas
fachadas e esquadrias com venezianas e vidro, quanto em janelas altas
nas paredes dos quartos e no espaço entre a coberta e o forro, para
melhor circulação do ar.