Autores: Bruno Braga e Igor Ribeiro
Co-autores: Lara Lima, Pedro Câmara, Taís Costa
Local: Luanda - Angola
Ano: 2010
Casa em Luanda
Um
protótipo de unidade habitacional de baixo custo de 100m², a ser
implantado em um terreno de 250m² na periferia de Luanda, que possua um
pátio e que faça tecido urbano. Em resumo, esse era o problema a ser
solucionado. No entanto, apenas resolver o programa repetindo os métodos
já utilizados não seria suficiente. Era preciso buscar o equilíbrio
entre um projeto direto e preciso, mas sensível e carregado de sentido,
encarando a realidade de forma a dar a ela novas possibilidades e
significados.
Fazer tecido urbano
Como
fazer tecido urbano com um protótipo de unidade habitacional e
construir a partir da sua simples repetição um espaço urbano de
qualidade e adequado às condições locais de Luanda? Em primeiro lugar,
como não há terreno definido, mais do que um projeto de implantação
aprofundado era preciso pensar em possibilidades de implantação, ou
seja, em uma proposta urbana consistente, mas flexível, permitindo
diferentes relações das casas com as ruas e possibilidades de
vizinhança. As habitações deveriam ser incorporadas à cidade,
relacionando o público e o privado e seus espaços intermediários. Tendo
em vista a perspectiva da rua, era imprescindível que a frente das casas
fizesse contato com esta, dando vida e movimentação para o espaço
urbano, evitando assim os extensos muros resultantes das dimensões do
terreno.
Grandes
praças centrais desafogam a extensa área construída, funcionando como
um pátio numa escala pública e permitindo a socialização dos habitantes,
através de atividades de lazer e culturais, trazendo integração,
educação e, consequentemente, fortalecendo a identidade do conjunto como
um todo. O contato do povo com a rua é facilitado por calçadas largas e
ruas estreitas que cortam as quadras, possibilitando o acesso local de
veículos sem inibir o uso da rua como espaço público a ser apropriado
pela população, quase como extensão das praças.
A casa: forma estratégica
A
unidade habitacional deveria atender a uma complexa equação: programa,
orçamento, lugar, flexibilidade e materialidade a serem sintetizados em
uma forma pertinente e estratégica. A área construída da unidade ocupa
quase metade da área do terreno e sua implantação no lote tinha que
prever um pátio e atender a famíliias de 7 a 9 pessoas. Isso devia
acontecer de forma a maximizar os espaços e atender às demandas do
lugar, sempre tendo em vista a flexibilidade das futuras ampliações. O
orçamento de 25 mil euros por unidade implica num custo de 100 euros por
metro quadrado. Assim, era preciso saber exatamente com que gastar esse
dinheiro sem prejudicar a qualidade da casa. O processo de criação de
uma unidade de baixo custo partiu de um sistema modular que buscou uma
forma sintética e que, ao mesmo tempo, tivesse uma relação com o modo do
habitar angolano. Buscou-se entregar o
melhor do mais essencial da casa, dando mais flexibilidade para as
intervenções, alterações ou ampliações dos moradores. Uma vez que o
terreno possui 10 metros de frente por 25 metros de fundo, seu tamanho é
suficiente para o desenvolvimento da proposta toda no nível térreo. Em
termos econômicos, subir mais um pavimento também não seria viável, além
do que uma proposta térrea garantiria a acessibilidade universal da
casa.
Programa
O
fato de que em Luanda grande parte da população possui carro teria que
ser considerado no projeto. A liberação, portanto, de uma lateral do
terreno serviria para que a garagem acontecesse de uma forma mais
flexível, permitindo um ou mais carros, ao mesmo tempo em que livraria
parte do terreno para ventilação ou ampliações futuras. A outra lateral
seria, por sua vez, ocupada com a casa, gerando no conjunto casas
geminadas por uma lateral, trazendo uma economia de gastos considerável
quando se pensa em larga escala.
O
contato da casa com o exterior foi também fundamental na concepção da
unidade. Como é normal em países com altos índices de pobreza, a
população luandense está sempre em busca de novas fontes de renda.
Assim, surgem os comércios, as vendas de frutas, verduras. A ‘janela
aberta’, como é chamada, é justamente o reflexo dessa realidade. Para
que as famílias possam fazer da casa não só sua moradia mas também sua
fonte de renda, permitindo seu crescimento econômico, pensou-se na
frente da casa como uma estratégia de facilitar e intensificar esse
crescimento. Assim, recuou-se a fachada, criando um espaço coberto de
transição entre o público e o privado, onde possa acontecer esse contato
entre interior e exterior. Dessa forma, têm-se interiormente uma área
ampla e livre, o mais flexível aos diversos usos possíveis.
Considerou-se
para os quartos três gerações da família, chegando assim a dois quartos
médios para os avós e para os pais, e um quarto maior que abrigasse os
filhos. As áreas molhadas são dividas por uma mesma parede, dando
facilidade e economia na colocação das instalações.
O
pátio, localizado no fundo do lote, serve de contraponto à entrada
principal que se abre para a rua, abrindo a casa para o seu recanto
privado, onde as famílias podem plantar, criar animais, se
confraternizar. A estrutura da casa foi pensada de forma a que, mesmo
com as ampliações ocorrendo no sentido do fundo do lote, o pátio seria
mantido. Assim, a casa e a família que a habita podem crescer sem, no
entanto, perder seu pedaço de céu.
Flexibilidade
Nas
famílias luandenses, além do alto índice de natalidade, a lógica de
ocupação das residências é bastante variável. Desta forma, a unidade
habitacional proposta tem como conceito importante a mutabilidade dos
espaços. O projeto foi pensado nos moldes do open building,
sistema que recomenda a independência das partes e que se determine os
componentes permanentes e alteráveis. As camadas assumem
responsabilidades entre si, se relacionam uma favorecendo a outra. Os
componentes permanentes devem servir como uma moldura para os
alteráveis, priorizando a adaptabilidade do edifício. Quando aplicado o
sistema, o edifício tem grandes condições de aumentar seu ciclo de vida e
reduzir gastos desnecessários de tempo, materiais e dinheiro, se
utilizando da informação e da coordenação das partes desde o princípio.
A
possibilidade de ocupar a garagem e a frente do lote são exemplo disso.
O quarto maior destinado aos filhos pode transformar-se em dois através
da construção de uma parede, atendendo assim mais de uma possibilidade
de estrutura familiar. Desta forma, a casa proposta configura-se como um
T3, podendo, no entanto, ser convertida em um T4. Buscou-se dar
flexibilidade também ao tecido urbano gerado, através de possibilidades
de surgimento de infra-estruturas urbanas nas praças criadas. Sabe-se
que Luanda é carente de escolas, posto de saúdes, áreas de lazer.
Portanto, a presença destes equipamentos só vem agregar valor e
dinamicidade social e espacial ao tecido urbano proposto.
Materialidade
A
construção da casa foi pensada em alvenaria estrutural de blocos de
concreto, material bastante recorrente na construção local, mas com a
incorporação de resíduos de construção civil e conchas de ostras e
mariscos. O bloco composto possui baixa absorção de água e sua aplicação
é economicamente viável devido à abundância de ostras e mariscos em
Angola. Aparece assim como unidade básica modular e representa uma opção
econômica e sustentável, por reduzir entre 30 a 40% o custo total de
uma obra e apresentar baixíssimos índices de desperdício e de geração de
resíduos. Além disso, os resíduos gerados pelas conchas desses moluscos
muitas vezes são lançados ao mar causando assoreamento e desequilíbrio
ecológico, o que seria evitado com o seu reaproveitamento na fabricação
de blocos voltados para a construção civil. Consiste em um material a
ser adquirido industrialmente e em larga escala, assim como a coberta
metálica, as esquadrias e o forro EPS, todos padronizados evitando
serviços mais complexos como concretagem in loco na obra. A mão-de-obra
angolana é pouco capacitada e os esforços para a proposição de técnicas
de fácil execução tiveram bastante peso nas escolhas deste projeto,
levando em consideração a possibilidade da autoconstrução das unidades e
futuras ampliações.
Sustentabilidade como consequência
A
sustentabilidade no projeto é conseqüência de um processo projetual
rigoroso que considera aspectos ambientais, econômicos, culturais e
sociais. A proposta é sustentável desde o momento em que a casa foi
pensada para se adaptar ao lugar, a curto e a longo prazo, considerando a
viabilidade econômica e ambiental na escolha dos materiais, a adaptação
do programa à cultura local e a qualidade espacial da proposta. Dessa
forma, todas as respostas arquitetônicas buscavam ser soluções ao
problema apresentado, garantindo a sustentabilidade da proposta não por
esta ter sido uma prioridade do projeto, mas por entendê-la como
qualidade intrínseca de uma arquitetura pertinente.